terça-feira, 7 de março de 2017

Carta de Repúdio do Maracatu Arrasta Ilha à Prisão do Tambor

O Maracatu Arrasta Ilha vem primeiramente agradecer aos integrantes e público pelo que vivemos nesses dias do carnaval de 2017. Foi um lindo espetáculo de comemoração dos 15 anos do grupo! Na opinião de muitos seguidores, um dos mais lindos carnavais. Nele cumprimos nosso compromisso de reconhecer e valorizar toda ancestralidade e espiritualidade afrobrasileira, através da forma de expressão que é o maracatu nação de baque virado, originário de Pernambuco. Neste carnaval cantamos, tocamos, dançamos, brincamos, contagiamos, celebramos. Prática cultural essa que desde de 03 de dezembro de 2014 é patrimônio cultural de nossa nação brasileira tão rica e diversa.

Contudo, mesmo em tempo de quaresma, não podemos deixar que o silêncio impere quando temos um importante símbolo da nossa cultura apreendido. Isso mesmo, prenderam um tambor! Seu crime? Ecoar cantos de alegria pela praça Bento Silvério, na última terça de carnaval, 28 de Fevereiro de 2017, na Lagoa da Conceição. Este tambor - junto à outros e através de muitas pessoas - celebrava a prática cultural do samba de roda, que é um patrimônio cultural registrado através de lei federal em 2004 e decretado em 2005 como Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela Unesco.

Um tambor que não é somente um tambor. O tambor é o ressoar das vozes ancestrais do povo negro e sua cultura. O tambor é um convite ao encontro, a roda, a celebração. O tambor é símbolo de resistência secular. O tambor é expressão das religiosidades de matriz africana. O tambor carrega em si o valor de tradições. Este tambor foi apreendido de uma roda de samba em pleno carnaval, após a apresentação do Maracatu Arrasta Ilha. Cidadãs e cidadãos - em praça pública - reverenciando em roda, com alegria, os seus tambores e palmas, entoando cantos foram abordados pela polícia militar em nome da ordem. Uma ordem onde a ancestralidade, as tradições culturais afrobrasileras, às referências às religiões de matriz africana e o patrimônio imaterial são perseguidos há séculos.

Como não lembrar diante deste tambor apreendido de toda a história de repressão às manifestações culturais afrobrasileiras!?

E diante dessa cena da prisão do tambor, além da violência simbólica - calar e prender um tambor - e físicas - com spray de pimenta - emitido no rosto dos cidadãos que quiseram dialogar com a polícia de forma pacífica para impedir a prisão do tambor algumas questões surgem:

Se tomarmos como referência a lei municipal complementar CMF nº003/1999 que foi a justificativa de prisão do tambor, podemos observar no artigo 9º desta mesma lei que por ocasião do Carnaval e nas comemorações do Ano Novo são toleradas, excepcionalmente, aquelas manifestações tradicionais normalmente proibidas por esta Lei Complementar. Dessa maneira como a Polícia Militar pode ainda continuar com um tambor retido, se ela própria violou a legislação, que utilizou como justificativa para prisão do instrumento?

E as perguntas não cessam…

Por que o Maracatu Arrasta Ilha, mesmo tendo um alvará expedido por um órgão público para realizar seu carnaval, teve que na sexta, dia 24 de fevereiro de 2017, durante o seu cortejo, negociar a continuidade da sua passagem na Rua Arcipreste Paiva com um policial, já que o espaço apesar de bloqueado com cones, estava reservado aos blocos de carnaval de rua da cidade?

Por que desde 2012, a cara do carnaval de Floripa é cada vez a do funk e música eletrônica, sem o reconhecimento e valorização de blocos e eventos tradicionais que já existem há anos na cidade, com espaços públicos loteados para empresas da iniciativa privada, que tem por objetivo primeiro a exploração comercial de sua marca e segundo com o discurso de segurança da população?

Em que momento a prefeitura de Florianópolis consultou à população da cidade e os grupos culturais aqui existentes sobre como desejavam que fosse feita a celebração do Carnaval 2017?

Nós do Maracatu Arrasta Ilha acreditamos no diálogo e respeito na construção de uma sociedade com cidadãos, onde possamos expressar e equilibrar nossa cultura de transformação social, meio ambiente saudável e paz. Esperamos sinceramente essas respostas, pois não existe nação sem patrimônios. Esses patrimônios têm que ser respeitados e valorizados, independente da ordem e progresso que instituições públicas queiram colocar para os cidadãos.

Seguimos na certeza da nossa compreensão da cultura afrobrasileira como constituinte desse país e por tamanha valoração e reconhecimento não vamos deixar nossos tambores se calarem!

Libertem o tambor!

Maracatu Arrasta Ilha



Epilogo



Nenhum comentário: